quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Justiça usa Código Penal para combater crime virtual (Os piratas estão afundando!)

Crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), furtos, extorsão, ameaças, violação de direitos autorais, pedofilia, estelionato, fraudes com cartão de crédito, desvio de dinheiro de contas bancárias. A lista de crimes cometidos por meio eletrônico é extensa e sua prática tem aumentado geometricamente com a universalização da internet. Levantamento realizado por especialistas em Direito da internet mostra que atualmente existem mais de 17 mil decisões judiciais envolvendo problemas virtuais; em 2002 eram apenas 400. A internet ainda é tida por muitos como um território livre, sem lei e sem punição. Mas a realidade não é bem assim: diariamente, o Judiciário vem coibindo a sensação de impunidade que reina no ambiente virtual e combatendo a criminalidade cibernética com a aplicação do Código Penal, do Código Civil e de legislações específicas como a Lei n. 9.296 – que trata das interceptações de comunicação em sistemas de telefonia, informática e telemática – e a Lei n. 9.609 – que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador. Na ausência de uma legislação específica para crimes eletrônicos, os tribunais brasileiros estão enfrentando e punindo internautas, crakers e hackers que utilizam a rede mundial de computadores como instrumento para a prática de crimes. Grande parte dos magistrados, advogados e consultores jurídicos considera que cerca de 95% dos delitos cometidos eletronicamente já estão tipificados no Código Penal brasileiro por caracterizar crimes comuns praticados por meio da internet. Os outros 5% para os quais faltaria enquadramento jurídico abrangem transgressões que só existem no mundo virtual, como a distribuição de vírus eletrônico, cavalos-de-tróia e worm (verme, em português). Para essa maioria, a internet não é um campo novo de atuação, mas apenas um novo caminho para a realização de delitos já praticados no mundo real, bastando apenas que as leis sejam adaptadas para os crimes eletrônicos. E é isso que a Justiça vem fazendo. Adaptando e empregando vários dispositivos do Código Penal no combate ao crime digital. E a lista também é extensa: insultar a honra de alguém (calúnia – artigo138), espalhar boatos eletrônicos sobre pessoas (difamação – artigo 139), insultar pessoas considerando suas características ou utilizar apelidos grosseiros (injúria – artigo 140), ameaçar alguém (ameaça – artigo 147), utilizar dados da conta bancária de outrem para desvio ou saque de dinheiro (furto – artigo 155), comentar, em chats, e-mails e outros, de forma negativa, sobre raças, religiões e etnias (preconceito ou discriminação – artigo 20 da Lei n. 7.716/89), enviar, trocar fotos de crianças nuas (pedofilia – artigo 247 da Lei n. 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). No caso das legislações específicas, as mais aplicadas são as seguintes: usar logomarca de empresa sem autorização do titular, no todo ou em parte, ou imitá-la de modo que possa induzir à confusão (crime contra a propriedade industrial – artigo 195 da Lei n. 9.279/96), monitoramento não avisado previamente (interceptação de comunicações de informática – artigo 10 da Lei n. 9.296/96) e usar cópia de software sem licença (crimes contra software “Pirataria” – artigo 12 da Lei n. 9.609/98). Consolidando dispositivosO STJ, como guardião e uniformizador da legislação infraconstitucional, vem consolidando a aplicação desses dispositivos em diversos julgados. Nos casos de pedofilia, por exemplo, o STJ já firmou o entendimento de que os crimes de pedofilia e divulgação de pornografia infantil por meios eletrônicos estão descritos no artigo 241 da Lei n. 8.069/90 (apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente), e previstos em convenção internacional da qual o Brasil é signatário. Mais do que isso: a Corte concluiu que, por si só, o envio de fotos pornográficas pela internet (e-mail) já constitui crime. Com base no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os ministros da Quinta Turma do STJ cassaram um habeas-corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que determinava o trancamento de uma ação penal sob o argumento de que o ECA definiria como crime apenas a "publicação" – e não a mera "divulgação" – de imagens de sexo explícito ou pornográficas de crianças ou adolescentes. Em outro caso julgado, a Turma manteve a condenação de um publicitário que participou e filmou cenas eróticas envolvendo crianças e adolescentes. Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Rondônia com base no artigo 241 do ECA, nos artigos 71 e 29 do Código Penal (crime continuado e em concurso de agentes) e por corrupção de menores (Lei n. 2.252/54: constitui crime, punido com a pena de reclusão de um a quatro anos e multa, corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 anos, com ela praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la). Os casos de furto e estelionato virtual também já foram devidamente enquadrados pela Corte. A Terceira Seção do STJ consolidou o entendimento de que a apropriação de valores de conta-corrente mediante transferência bancária fraudulenta via internet sem o consentimento do correntista configura furto qualificado por fraude, pois, nesse caso, a fraude é utilizada para burlar o sistema de proteção e vigilância do banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Também decidiu que a competência para julgar esse tipo de crime é do juízo do local da consumação do delito de furto, que se dá no local onde o bem é subtraído da vítima. Em outra decisão, relatada pelo ministro Felix Fischer, a Quinta Turma do STJ definiu claramente que, mesmo no ambiente virtual, o furto – “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel" (artigo 155 do Código Penal) – mediante fraude não se confunde com o estelionato – "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento" (artigo 171 do Código Penal) – já que no furto a fraude é utilizada para burlar a vigilância da vítima e, no estelionato, o objetivo é obter consentimento da vítima e iludi-la para que entregue voluntariamente o bem. Crimes contra a honraEm uma ação envolvendo os chamados crimes contra a honra praticados pela internet, o desembargador convocado Carlos Fernando Mathias de Souza manteve a decisão da Justiça gaúcha que condenou um homem a pagar à ex-namorada indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil por ter divulgado, pela internet, mensagens chamando-a de garota de programa. No recurso julgado, a ex-namorada alegou que, após a falsa publicação de e-mails com seus dados pessoais junto com uma fotografia de mulher em posições eróticas, ela passou pelo constrangimento de receber convites por telefone para fazer programas sexuais. Em outro julgado, a Quarta Turma do STJ determinou que o site Yahoo! Brasil retirasse do ar página com conteúdo inverídico sobre uma mulher que ofereceria programas sexuais. A empresa alegou que o site citado foi criado por um usuário com a utilização de um serviço oferecido pela controladora americana Yahoo! Inc., portanto caberia a essa empresa o cumprimento da determinação judicial. Em seu voto, o relator do processo, ministro Fernando Gonçalves, sustentou que a Yahoo! Brasil pertence ao mesmo grupo econômico e apresenta-se aos consumidores utilizando a mesma logomarca da empresa americana e, ao acessar o endereço trazido nas razões do recurso como sendo da Yahoo! Inc. – www.yahoo.com –, abre-se, na realidade, a página da Yahoo! Brasil. Diante desses fatos, o ministro conclui que o consumidor não distingue com clareza as divisas entre a empresa americana e sua correspondente nacional. A Terceira Turma decidiu que ação de indenização por danos morais pode ser ajuizada em nome do proprietário de empresa vítima de mensagens difamatórias em comunidades do site de relacionamentos Orkut. O tribunal considerou legítima a ação proposta por um empresário de Minas Gerais contra duas pessoas que teriam difamado o seu negócio de criação de avestruzes, causando-lhe sérios prejuízos. Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, as mensagens divulgadas na internet não foram ofensivas somente ao empresário e a seu filho, mas também ao seu comércio de aves. Atrás das gradesAplicando os dispositivos do Código Penal, o STJ vem negando habeas-corpus a acusados e condenados por diversas modalidades de crimes eletrônicos. Entre vários casos julgados, a Corte manteve a prisão do hacker Otávio Oliveira Bandetini, condenado a 10 anos e 11 meses de reclusão por retirar irregularmente cerca de R$ 2 milhões de contas bancárias de terceiros via internet; negou o relaxamento da prisão preventiva de um tatuador denunciado por divulgar fotos pornográficas de crianças e adolescentes na internet; de um acusado preso em operação da Polícia Federal por participar de um esquema de furto de contas bancárias; de um hacker preso pelos crimes de furto mediante fraude, formação de quadrilha, violação de sigilo bancário e interceptação telemática ilegal; e de um técnico em informática de Santa Catarina acusado de manipular e-mails para incriminar colegas de trabalho. O Tribunal também enfrentou a questão da ausência de fronteira física no chamado ciberespaço ao entender que, se o crime tem efeitos em território nacional, deve-se aplicar a lei brasileira. No caso julgado, um acusado de pedofilia alegou que as fotos pornográficas envolvendo crianças e adolescentes foram obtidas no sítio da internet do Kazaa, um programa internacional de armazenamento e compartilhamento de arquivos eletrônicos sediado fora do Brasil. A Corte entendeu que, como o resultado e a execução ocorreram em território nacional, o fato de os arquivos terem sido obtidos no Kazaa, com sede no estrangeiro, seria irrelevante para a ação. O Poder Legislativo ainda não concluiu a votação do projeto de lei que visa adequar a legislação brasileira aos crimes cometidos na internet e punir de forma mais rígida essas irregularidades. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado, define os crimes na internet, amplia as penas para os infratores e determina que os provedores armazenem os dados de conexão de seus usuários por até três anos, entre outros pontos. Enquanto a lei que vai tipificar a prática de crimes como phishing (roubo de senhas), pornografia infantil, calúnia e difamação via web, clonagem de cartões de banco e celulares, difusão de vírus e invasão de sites não é aprovada no Congresso Nacional, o Poder Judiciário continuará enquadrando os criminosos virtuais nas leis vigentes no mundo real, adaptando-as à realidade dos crimes cometidos na internet.

Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

EUA - Eleições e Suprema Corte

Malgrado os aspectos negativos de potência hegemônica, os Estados Unidos da América exercem uma influência benéfica e efetiva no direito interno dos países da comunidade internacional em virtude da excelência de certos julgados da sua Suprema Corte relativamente às liberdades públicas e os direitos humanos.
Estes reflexos favoráveis repercutiram na vida das pessoas em vários países. Até no Brasil, alguns parâmetros estabelecidos durante a chamada "Warren Court" (1953-1969), produziram efeitos nos costumes e depois, no direito positivo. Este período foi o apogeu da Suprema Corte em decisões promovendo os direitos civis.
Assim, toda pessoa preocupada com a proteção jurídica desses direitos, esteve apreensiva diante do cenário das eleições presidenciais norte-americanas. A perspectiva de continuidade do governo do partido republicano era terrível. O perfil do novo presidente é relevante, pois, cabe a ele nomear os juízes da Suprema Corte, mediante aprovação do Senado.
Desde 1869, a Suprema Corte tem a composição atual, ou seja, nove juízes vitalícios, um dos quais é nomeado como "Chief Justice", a quem é atribuída a função de presidir a corte. Em outras palavras, o viés político do presidente é fundamental na escolha dos integrantes da Suprema Corte. Até porque lá, os norte-americanos têm o mérito de assumir a partidarização das escolhas para a corte. Assim os juízes são de um partido ou de outro conforme a origem da sua indicação. Nisso eles se afastam da hipocrisia de certas republiquetas "down Rio Grande".
Existe um aforisma de conveniência, recorrente entre os povos atrasados, de que muito se vale o "improbus administrator". Dispõe tal provérbio que a "instituição não se confunde com seus membros". Falso. A instituição é o que são seus membros. No mínimo, a instituição reflete a maioria de seus integrantes. Sem prejuízo de uma verdade inexorável: uma laranja podre pode contaminar todo o balaio! Por isso, o cuidado na seleção dos membros de instituições como a Suprema Corte é imprescindível.
Em virtude de nomeações de extremistas de "right wing", hoje na Suprema Corte, quatro juízes, inclusive o atual "Chief Justice", via oblíqua apoiaram a tortura de presos no campo de prisioneiros da Baía de Guantánamo, Cuba. Confira-se: Boumediene vs. Bush, Presidente dos EUA; processo nº 06-1195, julgado em 12.VI.2008. De fato, discutia-se o direito ao "habeas corpus" de um preso. Todavia, a possibilidade de torturar o prisioneiro é a razão subjacente à tentativa de impedir a concessão do "habeas corpus". Aliás, até um determinado tipo de tortura foi confessada pelas autoridades norte-americanas, a chamada "waterboarding" (afogamento simulado).
É preciso examinar cada um dos juízes da Suprema Corte, pois, o caso da tortura acima referido envolve uma situação limite. Nessa hipótese, situação limite, dois juízes conservadores, cuja conduta ética não faz concessões à ideologia, juntaram-se aos outros três tidos por liberais, derrotando os extremistas. Esses conservadores são o juiz Anthony M. Kennedy, nomeado por Ronald Reagan em setembro de 1988, e o juiz David H. Souter, nomeado por George Bush, sênior, em outubro de 1990. Os liberais são o juiz John Paul Stevens, nomeado por Gerald Ford em dezembro de 1975, a juíza Ruth Bader Ginsburg, nomeada por Bill Clinton em agosto de 1993, e o juiz Stephen G. Breyer, também nomeado por Clinton em agosto de 1994.
Ocorre que fora da mencionada situação limite, os dois conservadores juntam-se aos extremistas de "right wing", isolando os ditos liberais. E o fizeram, recentemente, em um caso importante. Caso especialmente representativo para a defesa do meio ambiente do maltratado planeta terra. A decisão, em detrimento da causa ecológica prestigiou o "big business". Confira-se: Exxon Shipping Co. vs. Grant Baker; processo nº 7-219; julgado em 25.VI.2008. A decisão, por 6 a 3, reformou julgado da Corte de Apelação que havia condenado a Exxon à pesada multa punitiva pelos danos resultantes do derramamento de óleo na costa do Alaska, causado pelo navio tanque, Exxon Valdez, cujo comandante estava embriagado quando do acidente.
Outro caso relevante em que os três liberais também ficaram isolados foi aquele relativo à disputa pela recontagem de votos no estado da Florida, na eleição presidencial de 2000. Confira-se: George W. Bush vs. Albert Gore, Jr.; processo nº 00-949; julgado em 12.XII.2000. Nessa ocasião o então "Chief Justice", juiz Rehnquist, escreveu a opinião da corte na qual, por 6 a 3, impediu-se a recontagem de votos que poderiam inverter o resultado da eleitoral em prejuízo do candidato republicano. Os republicanos majoritários na corte favoreceram a sua conveniência partidária, obstruindo a busca da verdade. Em decorrência direta desta decisão da Suprema Corte, resultou o legado dos oito anos de governo Bush com todas as conseqüências desastrosas para a humanidade. Além disso, também foi nociva para o direito, nas palavras do voto vencido do juiz Stevens. Ele disse que, embora nós possamos nunca saber com certeza a identidade do vencedor daquela eleição presidencial, a identidade do perdedor é perfeitamente clara. O perdedor é a confiança da nação no juiz como guardião imparcial da "the rule of law".
Em suma, cada juiz é fundamental. O próximo presidente terá a oportunidade de indicar um ou dois novos juízes. Os candidatos à substituição estão justamente entre aqueles que julgam com isenção, conforme "the rule of law". Com efeito, o juiz Stevens está com oitenta e oito anos de idade, e a juíza Ginsburg, que está com setenta e cinco anos, parece ser portadora de doença grave. Aliás, corroborando a tese referente à importância do nexo entre a eleição presidencial e a Suprema Corte, no próprio dia da eleição, 4 de novembro passado, realizou-se uma pesquisa nacional, na qual 53% dos mais de 120 milhões de votantes afirmaram que o "fator Suprema Corte" foi decisivo em seus votos.

Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho - Advogado

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